Eficácia Diagonal de Direitos Fundamentais

       A idéia da eficácia diagonal dos direitos fundamentais constitui um tertium genius cunhado pelo jurista chileno Sergio Gamonal Contreras, pelo qual, ao lado das garantias constitucionais do cidadão frente ao Estado (cuja eficácia se situa numa relação de plano vertical) e frente aos próprios particulares (cuja eficácia atua no plano horizontal), surge a necessidade de proteção nas relações entre particulares, notadamente caracterizadas pelo desequilíbrio ou desproporcionalidade.    

         Exemplos de direitos fundamentais soerguidos no plano vertical encontram-se nos incisos XXXVII a LIV do artigo 5º da CF/88.  No plano horizontal podemos citar, dentre outras, as garantias previstas nos incisos I, IV, V, do mesmo artigo.

         Ressalte-se que praticamente todas as garantias com eficácia horizontal também se projetam no plano vertical, embora existam situações do plano horizontal que exigem proteção sob a roupagem vertical, mas não dirigida contra o Estado, e sim emanada do poder estatal contra particulares em condição econômica (fática), técnica ou jurídica superior. É nesta situação que se identifica a necessidade de uma eficácia diagonal aos direitos fundamentais.

         No ordenamento positivo, a eficácia diagonal se expressa nas relações onde estão pressupostas a vulnerabilidade, inerente a todo consumidor (art. 4º, I, CDC), bem como a hipossuficiência, que é uma marca pessoal do consumidor a ser aferida pelo juiz no caso concreto (art. 6º, VIII, CDC).

         Igualmente no âmbito das relações de trabalho, a eficácia diagonal se manifesta no princípio da proteção, pelo qual o ordenamento trabalhista estrutura um arcabouço jurídico que visa retificar ou atenuar a hipossuficiência pressupostamente havida pelo empregado na relação de trabalho que estabelece com o seu empregador.

         No plano constitucional, a eficácia diagonal, tanto das relações de consumo quanto de trabalho, está implicada no fundamento da “dignidade da pessoa humana” (artigo 1º, III, CF/88) e nos princípios da ordem econômica (art. 170, caput c/c incisos V e VIII, CF/88).

         Voltando-se para o direito do trabalho, a idéia de uma eficácia diagonal, embora constitua um avanço no trato dos direitos fundamentais, ainda reflete um dualismo reducionista não condizente com a desconstrução da “hipossuficiência” provocada pela flexibilização do mercado de trabalho e pelo novo capitalismo da sociedade brasileira.

         É que absolutamente ninguém assumiria posição contrária à “dignidade da pessoa humana”, contudo não se enfrenta com realismo o desafio a respeito de como promovê-la a todos simultaneamente.

         Refiro-me ao conceito de hipossuficiência, reinante no direito do trabalho e que carrega um pressuposto de desequilíbrio em favor do empregador (e em detrimento do empregado) na correlação do poder envolto nas relações justrabalhistas.

         Não obstante, o empregador se define tão somente (a) pelo fato de lançar mão dos serviços do empregado (art. 2º da CLT) e (b) pela alteridade presente nessa relação, (c) sem nenhuma exigência de qualidade especial deferida aos sujeitos contratantes de tais serviços.

         No mais, sob o epíteto de “empregador” encontra-se compreendido um universo de pessoas naturais (personificadas ou não sob entes jurídicos) sobre as quais a eficácia diagonal simplesmente não logra êxito alcançar, se mantida a estrutura dual do principio da proteção justrabalhista.

         Atualmente, a massa dos empregadores, ao contrário do que se supõe pelo histórico do desenvolvimento dos direitos sociais trabalhistas da sociedade moderna, não está representada monoliticamente pelas grandes corporações transnacionais, mas, sobretudo pelas micro e pequenas empresas, que correspondem a 99,8% dos empreendimentos formais do país e que são responsáveis pelo emprego de 60% da população nacional economicamente ativa.

         A trajetória dessas empresas segue o conceito do empreendedorismo compulsório, ou de necessidade, resultante da própria deterioração das relações de trabalho ocorrida durante o processo de transição do sistema de pleno emprego para o sistema da flexibilização trabalhista, durante as últimas quatro décadas.

         Portanto, em boa medida, o “empregador de hoje” (tratado sob a presunção reversa da eficácia diagonal) é o “empregado de ontem”, aquele que o sistema justrabalhista pretendia, mas não logrou êxito proteger.

         Não se cogita justificar a desregulamentação nem mesmo a flexibilização para agravar ainda mais o fosso dos direitos sociais do trabalhador da sociedade pós-moderna.

         Por outro lado, abordar a eficácia diagonal sob o dualismo estático do empregado versus empregador, sem a consideração dos matizes envolvidos na realidade das organizações brasileiras, é fazer tabula rasa da “dignidade da pessoa humana”.

         Talvez uma interface do direito do trabalho com as teorias organizacionais (oriundas da sociologia e da economia), como a ecologia organizacional, o neo-institucionalismo e a economia evolucionária, possam ser a chave para desvendar a complexidade dessa questão. 

         Por ora, como operador do direito, defenderia pelo menos a adoção da diferenciação consumeirista entre vulnerabilidade (generalizadora) e hipossuficiência (no caso particular) como balizadora da aplicação do princípio da proteção às relações de trabalho em tempos pós-modernos.   

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