Lacunas do Conhecimento e Lacunas do Reconhecimento

        Sendo a norma jurídica revestida pelas propriedades da generalidade e abstração, do que se conclui tratar-se de hipótese normativa tipificadora de conduta humana indefinida e muitas vezes indeterminada, resta ao aplicador do direito a atividade da aplicação do direito por meio da subsunção de um caso concreto e particular ao império da norma jurídica.

            Ocorre que a realização da subsunção apresenta desafios em face da ausência de informação sobre os fatos do caso, ou ainda pela indeterminação semântica dos conceitos normativos. Essa duas situações são, respectivamente, denominadas pela doutrina como ”lacunas de conhecimento” e “lacunas de reconhecimento”.

            As lacunas de conhecimento decorrem da falta de conhecimentos empíricos e são remediáveis pelas presunções legais que permitem ao juiz suprir o desconhecimento do fato e atuar como se conhecesse todas as circunstâncias relevantes do caso. 

            A título de exemplo, a preclusão temporal provocada pela ausência da reclamada em audiência gera uma lacuna de conhecimento quanto à matéria de fato que poderia ser levada pela parte ao juízo. Tal lacuna, por força do artigo 844, CLT, importa a revelia bem como a confissão quanto à matéria de fato.

            As lacunas de reconhecimento são oriundas da zona de incerteza, do problema da penumbra, dos conceitos plurissignificativos (isto é, vagos, imprecisos, indeterminados ou fluidos), pois se originam, não da completude ou incompletude do direito, mas sim de certas propriedades semânticas da linguagem. Elas podem ser mitigadas pela introdução de terminologia técnica e pelo chamado processo de elucidação, onde se demarcam a extensão e o sentido dos vocábulos que por qualquer razão obscurecem a explicação ou compreensão da norma.          

            Exemplos de lacunas de reconhecimento ocorrem na Lei 8078/90 (CDC) onde há referências constantes a conceitos jurídicos indeterminados, como “normalidade” (art. 8º), “onerosidade” (art. 6º, V), “previsibilidade” (art. 8º) e “equilíbrio e boa fé” (art. 4º, III), cuja compreensão não se obtém por hipóteses normativas tipificadas.

            A nova concepção da responsabilidade civil é outro exemplo. O desenvolvimento da teoria da responsabilidade objetiva ocorreu no bojo dos aumentos generalizados de acidentes, os quais não eram mais ocasionais ou fortuitos, mas frequentes e controláveis, o que se constatou em meio ao desenvolvimento das ciências autuariais e na forma de se conceber e mensurar os riscos a que as pessoas estavam submetidas.  Assim o conceito de “risco” passou a ser correlato com uma idéia de “regularidade normal”, cujo critério não é apriorístico, mas de acordo com a experiência do acidente e dos recursos tecnológicos utilizados na determinação do padrão de normalidade a ser empregado na subsunção da norma ao caso concreto.           

            Desenvolveu-se uma tecnologia do risco para mensuração dos padrões aceitáveis de normalidade sob critérios de aferição empírica. Diante disso, substituiu-se a idéia de “causa” por “imputação”, de modo que não se responsabiliza por causa acidente, mas por imputação dos riscos da atividade, cujo padrão de normalidade se define por processo e mediante elemento externo de comparação ou relativização. Logo os termos “normalidade” e “risco” são lacunas de reconhecimento suprimidas por nova principiologia jurídica.     

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