Falso Testemunho e sua repercursão no processo do trabalho


Trabalhador ingressa com reclamação trabalhista postulando, entre outros pedidos, indenização por dano moral sob a alegação de que, no curso do contrato de trabalho, em diversas oportunidades, fora convocado por sua empregadora para testemunhar em ações trabalhistas, em que aquela figurava como reclamada, e era orientado a comprovar a tese de defesa da empresa sob pena de perder seu emprego. 

Aberta a audiência, em sede de inquirição sumária e antes da entrega da contestação pela reclamada, o reclamante é questionado pelo magistrado se ratifica os depoimentos que prestou como testemunha nos processos citados na sua inicial. 

O reclamante diz não ratificar, na medida em que, especialmente quanto à fidelidade dos cartões de ponto, faltou com a verdade por temer perder o emprego. Na realidade, ao contrário do que afirmou enquanto testemunha, os cartões de ponto não consignam a integralidade da jornada cumprida. 

O fato acima suscita os seguintes questionamentos:

a) Que providências o juiz do trabalho deverá tomar no caso?

O magistrado que tomar conhecimento de fato tipificado pelo crime de falso testemunho (art. 342, CP), em processo da jurisdição trabalhista, tem o dever de oficiar ao Ministério Público Federal para que determine abertura de inquérito policial e, havendo elementos indicativos de materialidade e autoria do crime, promova a competente ação penal (pública e incondicionada) contra os acusados. 

Embora o sujeito passivo imediato do crime de falso testemunho seja o Estado, não há como negar que todos aqueles que figuraram como partes nos processos trabalhistas cujas sentenças sofreram influência direta dos fatos falsamente prestados, por lhes ter sido juridicamente relevantes, são também prejudicados pelo crime. 

Sendo assim, e para que sejam dadas às partes o direito de exercerem as prerrogativas conferidas pelo artigo 485, VI do Código de Processo Civil, qual seja, a busca da rescisão de sentença no caso em que "se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória", é mister que o juiz também expeça ofício aos respectivos juízos onde foram prolatadas as sentenças, para que, nos referidos autos, as partes sejam cientificadas da confissão de falso testemunho ocorrido nos presentes autos. 

Trata-se de medida que atende aos reclamos dos valores constitucionais que acentuam ser o processo meio de efetivação de justiça, da qual o juiz não é inerte mas um ativo participante. 

Quanto ao curso do processo cuja ação versa pedido de danos morais, uma vez comprovada a existência do falso testemunho, e não sendo atribuída causa de excludentes de ilicitude ao fato de que fora orientado a tal prática "sob pena de não perder o emprego", entendo ser inviável o pleito uma vez que a ordenamento jurídico não se compadece de quem alega sua própria torpeza.      

b) Havendo prova de que o reclamante recebera instruções do advogado da empresa, que consequências sofria por sua conduta?

Uma vez comprovado que o Reclamante, quando testemunha, fora orientado pelo advogado da empresa, resta claro o envolvimento do causídico no fato criminoso. No entanto, é preciso verificar a natureza dessa "orientação" prestada à testemunha pelo do advogado da empresa.

Se o advogado tiver apenas contribuído, de algum modo, para a realização do crime de falso testemunho, sob a forma de instigação, provocação, intimidação, ou qualquer forma de ação que tenha influência sobre a vontade do autor do crime, configurada está a figura da "partícipe"(artigo 29, CP), que incide nas mesmas penas cominadas ao criminoso, na medida de sua culpabilidade. 

c) Considerando que o preposto fora coagido para prestar falso testemunho, isso seria suficiente para sua absolvição no âmbito penal? 

Tendo em vista à desproporcionalidade entre os objeto juridicamente tutelado no curso da atividade jurisdicional (administração da justiça) e os interesses privados que motivaram o cometimento do crime pelo depoente  (manutenção do emprego) fica evidente que a alegação de que fora coagido nem se aproxima da chamada "coação irresistível" (artigo 22, caput, CP), entendida como sendo aquela que "não pode ser superada senão com uma energia extraordinária, e portanto, juridicamente inexigível" (RT 501/382,RT 488/382). 

Quando muito, poderá incidir a regra do artigo 65, III, C, primeira parte, do CP, que prevê a coação resistível como circunstância atenuante para aplicação da pena. 

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